Última alteração: 2015-08-28
Resumo
O presente relato de prática pedagógica em ação coroa o fechamento de uma das propostas desenvolvidas pela equipe de Educação Física do Colégio Pedro II, Campus Engenho Novo II (EFCENII), no primeiro letivo de 2015. A EFCENII adotou como marco do planejamento anual a temática Educação Física e Interculturalidade, por considerar que o reconhecimento da pluralidade cultural no cotidiano escolar é um dos grandes desafios enfrentados pelos sistemas educacionais. Aliado a esse, também entendemos que o desenvolvimento de atividades e propostas que coadunem com a formação do cidadão para o exercício da democracia é uma prática que deve permear as relações estabelecidas dentro do espaço escolar em todos os níveis e modalidades de educação. O reconhecimento da igualdade como direito de todos e todas e o questionamento crítico acerca de todas as formas de padronização, monocultura e homogeneização constituem-se, na referida equipe, como princípios que regem as ações didáticas e que balizam quaisquer conteúdos da cultura corporal do movimento, inclusive, as práticas esportivas.
Conforme consta em nosso planejamento pedagógico, “ações que levem em consideração a diversidade e a diferença de alunos e alunas, práticas que valorizam os diferentes sujeitos socioculturais e a consciência do caráter Multi/Intercultural no espaço da escola são princípios que devem permear o dia a dia e o cotidiano escolar de jovens estudantes” (http://www.efen2.blogspot.com.br/).
Nas palavras de Vera Candau (2012), a interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social, promovendo relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os diferentes conflitos, procurando as estratégias mais adequadas para enfrenta-los.
A Educação Intercultural se baseia através das seguintes características: promoção deliberada da inter-relação entre diferentes grupos culturais presentes em determinada sociedade; conceber as culturas em contínuo processo de elaboração, construção e reconstrução constantes; hibridização cultural; consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais; e por fim, não desvincular questões conflitivas da diferença e da desigualdade (CANDAU, 2008).
A afirmação das diferenças – gênero, orientação sexual, etnia, raça, deficiência, dentre outras – é manifestada sempre de modo plural, visibilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que denunciam o caráter de exclusão e desigualdades na busca por reconhecimento político e cultural de grupos marginalizados. Desta forma, a perspectiva Intercultural em Educação buscará o reconhecimento e a valorização das diferentes culturas e de seus grupos, lutando contra formas de discriminação e injustiças, promovendo uma relação democrática e dialógica entre os mesmos. Neste contexto não é possível se trabalhar questões relacionadas à igualdade sem incluir a questão da diferença e vice-versa, pois igualdade não é um termo que se contrapõe à diferença, e sim oposto à padronização, à uniformização e homogeneização (CANDAU, 2012).
No contexto da Educação Física, a Educação Intercultural diz respeito, segundo Oliveira & Daolio (2011), às tensões produzidas pela diversidade cultural, lançando mão de que as diversas culturas precisam dialogar sempre pelo viés de igualdade e não da desigualdade, como muitas vezes ocorre nos cotidianos escolares. Para os autores, os pressupostos pedagógicos que vislumbrem superar as armadilhas do relativismo, essencializando a cultura, se faz primordial nas aulas de Educação Física.
Neira & Nunes (2009), neste sentido, vão afirmar que a presença de manifestações culturais, historicamente desprivilegiadas, deve fazer parte do currículo da Educação Física ao tematizar práticas corporais que leve em consideração os sujeitos oprimidos, quer seja por etnia, classe, cultura, gênero, etc. através de variadas estratégias que estejam além das aulas práticas, por exemplo.
É por esse caminho que pretendemos seguir, valorizando a diversidade e as diferenças nas aulas de Educação Física, propondo novas possibilidades de estratégias e conteúdos, que coadunem com manifestações da cultura corporal nas suas mais variadas formas de expressão, reconhecendo que diferentes sujeitos estão presentes neste processo, que é sempre dialógico. A proposta de uma Educação Intercultural adentrando a Educação Física escolar baseia-se nestes preceitos e em novas narrativas que possibilitem desconstruções, rupturas e formas de pensar diversas e múltiplas.
A partir destas afirmações utilizamos o vídeo Cordas como uma estratégia para discutir as diferenças nas aulas de Educação Física de turmas do 6º ano do Ensino Fundamental. Um dos objetivos das aulas de Educação Física no trimestre relatado é dialogar sobre como podemos transformar as diferenças, sejam elas quais forem, em vantagens que podem contribuir para o aprendizado da turma. Cuerdas (GARCIA, 2013) é um curta-metragem de animação da Espanha que recebeu o Prêmio Goya de melhor curta-metragem de animação em 2014, contando a história de uma menina doce que vive num orfanato, e que criou uma ligação muito especial com um novo colega de classe que sofre de paralisia cerebral. A partir do vídeo, propomos tarefas em duplas, com as quais os alunos deveriam criar uma frase sobre “como as diferenças deveriam ser reconhecidas nas aulas”. Dentre as respostas apresentadas pelos alunos, destacamos duas frases: “ser diferente não representa ser incapaz” e “todos devem ter o direito de jogar nas aulas”. Estas frases remetem a questão das habilidades motoras nas aulas de Educação Física, algo que ainda é muito enfatizado como fator de sucesso nas aulas. No vídeo, a menina fazia de tudo para que seu colega com paralisia cerebral pudesse, de alguma forma, participar das práticas corporais presentes na escola. Uma perspectiva de reconhecimento das diferenças, como apontam Daolio e Oliveira (2011), não busca privilegiar os mais aptos frente aos menos aptos nas aulas, desconstruindo a questão da busca pela aptidão física como um fim em si mesmo nas aulas de Educação Física. Questões de gênero também foram levantadas nas frases, tais como: “meninos e meninas são iguais em seus direitos e deveres na escola”, “A diferença de ser menino ou ser menina não deve limitar a participação de ninguém nos esportes” e “meninos também podem dançar tão bem como as meninas, assim como as meninas também podem jogar tão bem futebol como os meninos”. Durante o trimestre estava sendo trabalhado o conteúdo dança, através da construção de coreografias pelos alunos, desta forma a questão de gênero, acabou sendo levantada nas frases, como uma diferença que se faz presente nas aulas de Educação Física cotidianamente, principalmente pelo que chamamos de “generificação” dos conteúdos nas aulas, onde futebol acaba sendo considerado uma atividade masculina e a dança uma atividade feminina. Desmistificar estas questões é primordial quando buscamos levar em consideração as potencialidades e subjetividades pessoais de cada um, independente do gênero.
A partir das discussões propostas neste relato de experiência, reconhecemos a importância da perspectiva intercultural adentrar as aulas de Educação Física, promovendo o diálogo entre as diferentes culturas, como, de fato, uma vantagem pedagógica nas estratégias e objetivos propostos nos currículos.